segunda-feira, janeiro 14, 2002

Jack Matador

Como diria Chico picadinho, vamos por partes:

De novo, o problema da adaptação
Quando os primeiros planos de transferir a ótima HQ de Alan Moore e Eddie Campbell para a telona apareceram, Moore foi questionado sobre oque esperava do projeto. A resposta dele foi algo assim: "Eu não dou a mínima, minha obra foi a HQ, o filme é obra dos irmão Hughes e eu não tenho nada a ver com isso.". Nada mais certo. Mesmo assim, os fãs da HQ estão revoltadíssimos com o filme e vi algum deles saindo furiosos da sessão de cinema que assisti. A verdade é que não sobrou muita coisa da obra original, fora o plot básico e os personagens principais, e é exatamente por isso que o roteiro desse filme mesmo com todas as suas falhas é muito melhor adequado a seu meio do que o do 'Senhor dos Anais' por exemplo. Comecemos por elas...



Pontas soltas
Na sanha de transferir alguns detalhes da revista para o telão, os roteiristas se enrolaram e deixaram várias pontas soltas pela película, e várias situações importantes para a narrativa original ficam perdidas e gratuitas. Um exemplo é a exibição de Joseph Merrick, o homem elefante para a comunidade médica, que fica completamente desprovida de sentido e parece estar no filme para mostrar como que os maquiadores do filme são competentes e conseguem replicar o trabalho feito no 'Homem Elefante' do Lynch.

O Policial Americano na era Vitoriana
Talvez para transformar uma história pesada e complexa como o 'Do Inferno' original em uma coisa mais digerível para o grande público, foi optado por transformar a estrutura do filme em um policial americano clássico. O detetive principal é 'cool', sofisticado, usa drogas da moda e paranormal. Mesmo assim é um inspetor eficiente e por isso tolerado pelos superiores. Quando se embrenha no caso de Jack, opta por tomar medidas drásticas e quebrar algumas regras, levando seu superior a se enfurecer e o suspender. Ele esvazia sua escrevaninha (!) e tira todas as pistas que havia colado no mural de sua sala. Decidido a continuar no caso de qualquer jeito ele descobre o culpado, é sequestrado por seus capangas e luta dentro de uma carruagem. No fim se sacrifica pela amada, levando uma vida de sofrimento para que ela possa ficar em paz. Johnny Depp é uma espécie de Dirty Harry de suiças, numa era vitoriana saída de um filme da Hammer.

Elegância x Afetação
Enquanto algumas coisas no filme são resolvidas com uma elegância extrema outras são completamente afetadas. Os assassinatos de Jack são realizados com uma finesse tremenda. Faquinha aqui, fuish, fuish, sanguinho, nada muito gore. Nem mesmo as cenas no necrotério são explícitas, tudo fica muito sutil. Pra compensar as visões premonitórias do Inspetor Abberlin Mãe Diná são uma série de pequenos videoclipes do Marylyn Mason enxertados no meio do filme.



Tirando da Reta
Aqui uma comparação é inevitável. Na HQ Moore tem um cuidado especial pra insultar e incriminar quase todos os grupos que aparecem no filme, desde a realeza, passando pela polícia e principalmente a maçonaria. No filme todos são inocentados, até mesmo a rainha Vitória, que na HQ é a mandante do crime tem seus atos justificados. Tudo é culpa de Willian Gull, um psicopata perigoso, que por sua vez é punido por seus crimes.

A não-importância de fatos históricos
Aqui temos uma coisa curiosa. Vários fatos históricos importantes são distorcidos no filme, o que até é compreensível se você pensar que o que se vê ali é um filme e não um documentário, mas é esquisito mudar completamente acontecimentos e pessoas que existiram em um filme que se baseia em um acontecimento histórico tão estudado como esse (principalmente o desfecho do filme, que é um absurdo histórico muito assustador). Se vocês quiserem mais informações sobre as discrepâncias entre o filme, a HQ e a história real, deêm uma olhada nesse texto do Casebook: Jack the ripper, o site mais completo sobre o assunto.

A Heather Graham pelada
O filme não tem nehuma cena com a Heather Graham pelada, o que é um absurdo.

E é isso. Não é um filme muito ruim, só um pouco ruim. Eu esperava que fosse bem pior, vou ser sincero, o trailer original era horroroso. O lado bom é que agora o Alan Moore vai encher o rabo de dinheiro, com a venda da nova edição da HQ. E isso é sempre bom, o cabeludo merece.

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